VENENOS OCULTOS
por Sarantuyaa Zandaryaa* (retirado da revista PLANETA Três Editora LTDA - Edição 474, março, 2012.)
Novas
substâncias presentes em vários produtos de uso rotineiro - como
remédios, artigos de higiene pessoal, e de limpeza - estão contaminando a
água e o solo, num risco à saúde ainda pouco estudado.
*Sarantuyaa Zandaryaa é especialista do Programa de Gestão de Água Urbana e de Qualidade da Água da Unesco.
Mais de 60
milhões de substâncias orgânicas e inorgânicas foram documentadas pelo
Registro da Sociedade Americana de Química, o mais completo banco de
dados sobre produtos químicos no mundo. Todos os dias, 12 mil produtos
químicos ingressam no mercado. Nesse universo em constante expansão, 49
milhões de produtos estão disponíveis comercialmente, mas menos de 1%
deles é inventariado ou regulamentado.
O ciclo de vida
desses compostos vai além do uso original. muitos de infiltram no solo,
no ar, em rios e no mar. Além disso, pesquisas recentes indicam que
elementos químicos não considerados historicamente contaminantes,
presentes em produtos farmacêuticos, estão agora alcançando o ambiente.
Como resultado, seres humanos e ecossistemas estão sendo continuamente
expostos a novos contaminantes. Qual é a dimensão do problema e que tipo
de ameaça ele coloca para a saúde e a natureza?
Ao longo do
século 20, a indústria química mudou seu foco dos processos químicos
pesados para a química orgânica. Esta apoiou-se originalmente no carbono
e em outras substâncias produzidas por seres vivos, mas seu alcance,
desde então ampliou-se e passou à incluir substâncias sintetizadas
artificialmente, como plásticos e drogas. O extraordinário progresso na
fabricação de drogas e nos processos industriais eliminou doenças e
tornou nossa vida bem mais confortável. Mas também deixou a sociedade
dependente de uma tecnologia que envolve uma miríade de compostos
químicos, atingindo todos os setores econômicos e a vida cotidiana.
Entre os
contaminantes emergentes há vários produtos químicos de uso diário. Eles
incluem artigos farmacêuticos e de higiene pessoal, pesticidas, insumos
químicos industriais e domésticos, metais, surfatantes (compostos que
tornam as substâncias mais solúveis em água ou óleos, presentes em
detergentes, inseticidas e xampus), aditivos e solventes industriais.
Muitos desses itens são tóxicos para o homem e os animais aquáticos.
Dentro desses
produtos há um grupo de risco dos desreguladores endócrinos, que
interferem no sistema hormonal humano e animal. Entre esses estão vários
compostos sintéticos usados como ingredientes ativos em
produtos farmacêuticos, hormônios naturais
como fitoestrógenos (substancias estrogênicas originárias de plantas)
e microestrogênicos (originários de fungos). Desreguladores endócrinos
figuram em pesticidas, produtos químicos industriais e metais pesados.
Aparecem também em medicamentos como os fitoestrógenos usados na
proteção contra várias formas de câncer, doenças cardiovasculares
e distúrbios cerebrais, bem como contra a osteoporose em mulheres
pós-menopáusicas.
Produtos farmacêuticos e
de cuidados pessoais, como cosméticos e sabonetes, também preocupam.
Várias drogas ministradas a humanos e animais para fins terapêuticos e
de diagnóstico têm sido detectadas em águas residuais e em rios, embora
em níveis quase imperceptíveis. As mais comumente detectadas incluem
analgésicos, cafeína, antibióticos, remédios redutores de colesterol e
antidepressivos.
Xampus
(acima) têm na sua composição produtos tóxicos ao homem. Se essas
substâncias chegarem à água usada na agricultura (abaixo), os alimentos
cultivados podem se tornar fonte de perigo.
Poluentes orgânicos persistentes têm
sido amplamente reconhecidos como uma ameaça à saúde do homem e dos
ecossistemas. Eles são usados como pesticidas ou no preparo de produtos
industriais como solventes e cloreto de polivinia (PVC), bifenilas
policloradas (PCBs) e dioxinas, bem como de dois pesticidas proibidos,
clordano e diclorodifeniltricloretano (DDT). Embora os PCBs, o DDT e
outros contaminantes tenham sido proibidos, seus resíduos permanecem no
ambiente.
Os
contaminantes emergentes são encontrados em concentrações variadas em
águas residuais tratadas e não tratadas, em efluentes industriais e
agrícolas e na água que escoa para rios, lagos e a costa. Os produtos
farmacêuticos aparecem com maior destaque no esgoto não tratado, e os
desreguladores endócrinos são detectados, sobretudo nas águas de
superfície e subterrâneas.
Formas de Exposição
As pessoas
podem ser expostas a esses contaminantes ao beber água, já que as
instalações de tratamento não são projetadas para removê-los. como as
águas residuais também são usadas para irrigar culturas em áreas secas,
moradores dessas regiões podem ser atingidos pela agricultura.
Os contamiantes
emergentes também podem estar penetrando em nosso corpo, via mariscos e
peixes. Como a maioria desses produtos é persistente e solúvel em
godura, provavelmente dura longo tempo no ambiente aquático,
acumulando-se no tecido adiposo de peixes e animais desses ecossistemas.
Substâncias tóxicas persistentes e metais pesados como chumbo têm sito
encontrados em frutos do mar e peixes de lagos e áreas costeiras ao
redor do mundo, como o Mar báltico, os Grandes Lagos (entre os EUA e o
Canadá) e o litoral do sudeste da Ásia.
Há evidências
de que muitos produtos reconhecidos como contaminantes emergentes podem
causar tumores cancerígenos, defeitos congênitos e distúrbios do
desenvolvimento, além de afetar a fertilidade e a saúde reprodutiva.
Acredita-se que os desreguladores endócrinos causam infertilidade e
perturbam o desenvolvimento sexual. Há relatos de casos de feminização
dos machos e masculinização dde fêmeas em humanos e animais.
Observaram-se
mudanças nas proporções entre sexos de espécies de perca de rios da
Europa. Descobriu-se também que peixes machos a jusante de instalações
de tratamento de água residuais produzem proteída de ovos femininos em
rios do Reino Unido. Debate-se ainda se a alta prevalência de doenças e
malformação larvais em peixes do nordeste do Atlântico tem relação com a
poluição marinha. Estudos buscam determinar se há um nexo casual entre a
obesidade humana e a presença de desreguladores endócrinos em peixes e
outras fontes de alimento: os hormônios entram no alimento do gado e das
aves, por exemplo, para pôr mais carne em seus ossos.
Três
exemplos de onde encontrar novos contaminantes químicos (de cima para
baixo): esgoto não tratado, anchovas do Mar Báltico, rio poluído por um
metal pesado; o cobre.
Embora
se saiba pouco sobre os efeitos de resíduos farmacêuticos na vida
aquática selvagem, uma pesquisa mostrou que analgésicos, drogas
anti-inflamatórias e agentes reguladores de gordura no sangue
encontrados em pílulas anti-colesterol podem ser tóxicos para
o zoo-plâncton, o fitoplâncton e os peixes, dado seu prolongado nível de
exposição. suspeita-se que os antidepressivos afetam o desenvolvimento,
a desova e o comportamento de alguns crustáceos e moluscos.
Impactos Não Avaliados
Se os efeitos
de cada um dos contaminantes emergentes na saúde do homem e dos
ecossistemas foram avaliados apenas marginalmente, seus efeitos
cumulativos no ambiente aquático e no corpo humano ainda nem se quer
foram estudados, pois não são considerados poluentes prioritários. O
efeito colateral desse fato é o monitoramento da água potáveis e da
residual exclui esses contaminantes dos testes, mesmo que a tecnologia
para isso exista.
Pelas razões
descritas, a amplitude da exposição humana a produtos farmacêuticos e
químicos na água potável não foi avaliada, apesar das preocupações sobre
os efeitos de longo prazo da exposição as drogas, sobretudo em fetos,
crianças e pessoas com a saúde debilitada. Também preocupa o fato de que
a exposição constante a antibióticos pode reduzir a eficácia dessas
drogas no combate a bactérias e patógenos, exigindo uma nova geração de
antibióticos.
Políticas e
regulações são urgentemente necessárias para controlar os elementos
químicos que poluem nossa água hoje e prevenir que uma nova geração de
remédios os utiliza no futuro. Dadas as incertezas científicas quanto
aos efeitos na saúde e no ambiente dos contaminantes emergentes, as
abordagens baseadas tanto no princípio de precaução quanto em medidas de
remediação precisa, ser adotadas - estas ultimas sejam menos eficazes
do que as preventivas, em virtude dos altos custos envolvidos na remoção
de poluentes após eles terem sido lançados na água.
A situação é
mais urgente nos países em desenvolvimento. Assim como a economia
baseada em tecnologia e consumo cresce nesses países, expandem-se a
fabricação e o uso de produtos químicos. Várias industrias do
Hemisférios Norte, entre elas empresas químicas, mudaram suas operações
para o Sul, onde se sabe menos sobre os riscos químicos e as regulações
(quando existem) são fracas. Grandes volumes de águas residuais e
efluentes industriais com pouco ou nenhum tratamento estão sendo
despejados em águas superficiais e zonas costeiras desses países a cada
dia.
Um dos
principais objetivos do novo projeto da Unesco dedicado ao tema será
ajudar os países em desenvolvimento a reforçar seus conhecimentos sobre
contaminantes emergentes a partir de um fórum científico de intercâmbio,
colaboração e compartilhamento de experiências, por meio de seminários e
workshops. Políticas e regulações também têm de ir além do setor da
água para enfrentar a fonte da poluição. São necessárias medidas que
garantam a produção, o uso e o descarte limpo, seguros e sustentáveis de
todos os produtos químicos.
Isso pode
significar políticas para reciclar produtos farmacêuticos, investir em
agricultura orgânica ou evitar a descarga de substâncias químicas
perigosas nos corpos d'água, por exemplo. O uso de substâncias químicas
mais preocupantes deve ser severamente restringido, - adotando-se o
princípio de substituição por ações mais seguras, quando disponíveis.
Paralelamente, autoridades e consumidores devem estar cientes do que
podem fazer para usar e dispor de produtos farmacêuticos e químicos com
segurança. Ao promover a investigação nessa área, a Unesco espera
desenvolver soluções apropriadas no combate a tais poluentes.
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